Até o final da década de 70 e início da de 80, era muito comum encontramos pelas ruas jovens engraxates e suas caixas de trabalho, alguns afirmando que o movimento ainda era bom e crescia de forma mais significativa nas vésperas da festa da padroeira, do Natal e na passagem de ano novo. Nesses dias engraxavam, em média, 50 pares de sapatos por dia, nas praças, bares, ruas e barbearias da cidade. Eram adolescentes que trabalhavam numa atividade lúdica e foram impedidos após fiscalização à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com ela, a tendência de desaparecimento de jovens engraxates se tornou um fato comum nas cidades do interior paulista. Hoje, não se vê nenhum adolescente com sua caixa de engraxar pelas ruas da cidade. Uma pena, pois além de ocuparem seu tempo, certamente eles ainda ajudavam no orçamento familiar. Lembro-me que o movimento maior acontecia, nas sextas e sábados, nos bares e barbearias.
Nadando contra essa corrente, em 2017, o diretor da Confederação Italiana dos Artesãos - secção de Palermo (Sicília/Itália) teve a idéia de ressuscitar o ofício. Abriu a poucos meses, um concurso para 15 engraxates. Para sua surpresa, apareceram 75 candidatos entre os quais alguns com diploma universitário. A confederação selecionou quinze com base na motivação de cada um e na fé que botavam no projeto, e ofereceu s esses uma formação que durou cinco dias, ministrada por um antigo especialista no assunto. Se realmente é para fazer, o melhor é fazer como manda o figurino.
Os aprendizes se familiarizam com as características de cada tipo de couro, com o uso da graxa, com a manipulação das escovas e adquiriram o automatismo e romantismo dos gestos artesanais de um bom engraxate. E ainda, enquanto engraxam sapatos, contavam uma história pitoresca, que despertava a curiosidade do cliente e os levava a conferir a veracidade do que ouviu. Depois disso, receberam da Confederação, seu primeiro kit grátis, com o material necessário para o bom desempenho profissional.
Os selecionados ficaram entusiasmados com a perspectiva de trabalhar e ganhar a vida. O movimento nos locais citados aumentou consideravelmente. Bares, restaurantes, empórios, cafés, etc. Uma idéia simples e genial. O projeto, um roteiro turístico montado a partir de um simples engraxate, começou em 2017 e se espalhou pela Itália.
Talvez isso possa também ser copiado por aqui, na Estância Turística de Salto. O turismo cultural local é quase tão variado quanto sua própria cultura, e nele pode ser tranquilamente incluído qualquer atividade que demonstre a identidade de uma cidade. Como um engraxate contando histórias pitorescas sobre música, dança, artes plásticas, literatura, cinema, língua, esporte, religião, arquitetura, arqueologia, gastronomia e paisagens naturais. Importantes vertentes que agregariam valores não só aos adolescentes engraxates como também ao Turismo local.
Poderia até pensar em um projeto ao Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos (DADEtur) como forma de fomento e formação de ações turísticos culturais. Com um custo extremamente irrisório perante aos projetos recentemente aprovados, estaríamos preservando a tradição de antigos costumes, fomentando a cultura dos jovens, levando boa informação sobre a cidade, além da opção de agregar valores aos serviços oferecidos por um simples engraxate.
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C. J. Bravo - produtor de eventos, designer gráfico, fotógrafo, polemista e coordenador nacional do Movimento ‘Educação Já’.
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